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Escoliose congênita

A escoliose congênita é o desvio lateral anormal da coluna causado por um defeito congênito de formação ou segmentação da coluna vertebral. Esse defeito pode ser identificado por um exame complementar (raios-X, tomografia ou ressonância magnética) ou no momento da abordagem cirúrgica. Na escoliose congênita, deve-se estar atento para a possibilidade da existência de outras anormalidades ou malformações no sistema cardiopulmonar, gastrointestinal ou gênito-urinário.

Etiologia

A causa do defeito vertebral está relacionada principalmente a fatores não-genéticos e ambientais no período gestacional. Entretanto, a identificação da verdadeira causa nem sempre é possível. O uso da talidomida e o diabetes gestacional são imputados freqüentemente como fatores ambientais relacionados à deformidade. A tendência genética é fraca nesse tipo de escoliose. Na rara síndrome de Jarco-Levin ou displasia espôndilo-costal (ou espôndilo-torácica) identifica-se um padrão genético autossômico recessivo.

Classificação

A deformidade congênita da coluna pode ser por defeito de formação, de segmentação ou por ambos.

Defeitos de formação: são caracterizados por falhas de formação do todo ou de parte de uma vértebra que pode resultar em cunha vertebral, vértebra trapezóide, hemivértebra ou agenesia total.

A hemivértebra é o exemplo mais típico de defeito de formação (FIGURA 403). A forma como ela está relacionada com outras vértebras e o desvio produzido no alinhamento do eixo vertebral são fundamentais para a decisão sobre o tipo de tratamento necessário.
A hemivértebra pode estar relacionada com as vértebras adjacentes de forma segmentada, não-segmentada ou semi-segmentada. A hemivértebra segmentada está completamente separada das vértebras adjacentes por um disco intervertebral normal. A não-segmentada está fundida às vértebras adjacentes ou ligada por um disco rudimentar. A hemivértebra semi-segmentada relaciona-se das duas formas anteriores. De um lado, está separada da vértebra adjacente por um disco normal e, do outro, fundida com a vértebra adjacente da extremidade oposta.

A escoliose congênita pode estar equilibrada ou não-equilibrada, de acordo com a alteração produzida no eixo vertebral. Freqüentemente, hemivértebras em lados opostos resultam em uma coluna sem desvio do eixo vertebral, produzindo a chamada escoliose congênita equilibrada.

Defeitos de segmentação: são caracterizados por falha do processo normal de separação vertebral. O defeito pode ser anterior, posterior, lateral, bilateral ou total. Se unilateral, o resultado será uma barra vertebral que ocasiona desvio para o mesmo lado. Se o defeito for de localização anterior, o resultado será uma cifose; se posterior à sinostose laminar resultante, causará a lordose. Se a falha na segmentação for total, o resultado será uma vértebra em bloco que normalmente não produz desvio do eixo vertebral.

Defeitos mistos: são a combinação das duas formas anteriores, como, por exemplo, uma curva com uma hemivértebra e uma barra vertebral.

Risco de progressão

Na escoliose congênita, além da curva congênita primária podem existir também curvas compensatórias. As curvas compensatórias não estão diretamente relacionadas a um defeito congênito, mas podem progredir ou produzir mais efeito estético que a própria curva congênita. Felizmente, as curvas compensatórias podem ser tratadas com órteses, ao contrário das curvas congênitas.
A progressão da curva na escoliose congênita depende principalmente do tipo do defeito, da localização deste e da idade do paciente.

Tipo de defeito. A barra vertebral unilateral é um defeito quase sempre associado com a progressão. A combinação de barra unilateral com hemivértebra segmentada do lado oposto resulta em altíssima probabilidade de progressão. O reconhecimento desses tipos de defeitos implica em tratamento precoce. Postergar o tratamento nesses tipos pode significar agravamento desnecessário da deformidade. Mas se, ao contrário, a curva for provocada por um defeito conhecido como vértebra em bloco, a deformidade quase nunca progredirá. Entre esses dois exemplos, há diversos tipos de defeitos com chances de progressões variáveis. Hemivértebras não-equilibradas progridem mais freqüentemente que hemivértebras equilibradas. Hemivértebras segmentadas progridem mais que as semi-segmentadas, que progridem mais que as não-segmentadas.

Localização do defeito. A localização torácica progride mais que a lombar, tóraco-lombar ou cérvico-torácica. A cérvico-torácica, apesar de pequeno potencial para a progressão, produz importante repercussão estética, mesmo em curvas de pequena magnitude.

Idade do paciente. A progressão em geral é maior e mais rápida na fase do estirão puberal. A progressão na infância, quando ocorre, é lentamente progressiva.


Avaliação clínica

Na avaliação clínica do paciente com escoliose congênita, é importante excluir a possibilidade da existência de outras anormalidades congênitas. O disrafismo medular está presente em 10 a 20% dos pacientes. Anomalias do aparelho gênito-urinário estão presentes em 15 a 30% dos pacientes submetidos ao exame de ressonância magnética. Defeitos cardíacos congênitos, imperfuração anal, síndrome de Klippel-Feil, déficit de audição e assimetria facial são condições que freqüentemente acompanham a escoliose congênita.
O exame clínico minucioso do sistema cardiovascular, gastrointestinal e gênito-urinário complementado por exames especiais indicados de forma criteriosa é imprescindível na avaliação do paciente com escoliose congênita.

Tratamento

O tratamento da escoliose congênita pode ser cirúrgico ou não-cirúrgico. A observação criteriosa da evolução é muitas vezes o único tratamento conservador necessário para a escoliose congênita. Eletroestimulação, manipulação e massagem são ineficazes de acordo com a literatura. Exercícios de alongamentos podem ser realizados para manter a curva flexível e melhorar a postura, mas não corrigem ou previnem o agravamento da deformidade. O uso de órtese, quando bem indicado, controla as curvas secundárias, mas não tem efeito sobre a curva congênita primária.
Os pré-requisitos para indicação do tratamento ortótico na escoliose congênita são a curva secundária progressiva ou superior a 20 graus e a imaturidade esquelética (Risser 0, 1, 2 ou 3). 
 
A intenção de corrigir a curva primária congênita exige um controle mais rigoroso sobre a curva secundária. Se se corrige a curva primária estando a curva secundária estruturada, o resultado será a descompensação do alinhamento do eixo vertebral pela curva secundária rígida. Deve ser lembrado que curvas secundárias compensatórias menores que 20 graus freqüentemente atenuam o desalinhamento vertebral e, em geral, não progridem e nem causam dor ou restrição funcional. Essa observação, é um dos pilares que fundamenta o tratamento com fusão in situ em vários centros.
O tratamento cirúrgico da escoliose congênita está indicado diante da documentação de uma deformidade progressiva ou de uma grande magnitude. O objetivo principal do tratamento cirúrgico é evitar a progressão do desvio. A correção da deformidade melhora a estética e a biomecânica, mas carreia também maiores riscos e poucas vezes é realmente necessária.
A escolha da técnica cirúrgica depende do tipo de defeito, da localização e da experiência do cirurgião. As principais técnicas utilizadas são a fusão isolada posterior in situ, fusão posterior com instrumentação, himiepifisiodese, ressecção de hemivértebra e osteotomia vertebral. Essas técnicas podem ser utilizadas isoladas ou em associação umas com as outras, dependendo da especificidade de cada caso.

Fusão isolada posterior in situ. É a mais antiga e consagrada pelo tempo devido à simplicidade, facilidade e segurança. Apresenta desvantagem de poder induzir a um efeito colateral conhecido como fenômeno do virabrequim (torção da massa óssea de fusão que ocorre nos anos seguintes à cirurgia). Assim, quando a técnica é indicada em crianças muito pequenas, complicações pós-operatórias tardias podem ocorrer como a lordose ou a torção vertebral da massa de fusão. Essa técnica tem a desvantagem de necessitar imobilização do segmento operado no período pós-operatório com gesso ou órtese.
 
Fusão posterior com instrumentação. Diferencia-se do procedimento anterior pelo uso de implantes de fixação (instrumentação). A instrumentação de 3a ou 4a geração dispensa o uso de imobilização externa (gesso ou órteses) e reduz a possibilidade do fenômeno do virabrequim. O uso da instrumentação pode auxiliar na correção do desvio em casos especiais.

Hemiepifisiodese. Consiste na hemifusão do lado da convexidade da curva pelas vias anterior e posterior. O princípio dessa técnica consiste no bloqueio do crescimento vertebral no lado convexo da curva através da fusão cirúrgica, de modo a permitir que o crescimento remanescente no lado côncavo compense a deformidade. O candidato ideal para essa cirurgia deve ter idade inferior a cinco anos, curva menor que 50 graus, ausência de cifose e menos de cinco segmentos vertebrais envolvidos.
Ressecção de hemivértebra. Indicada principalmente quando a deformidade é grave e há intenção de correção da curva em crianças maiores ou em adolescentes. O procedimento consiste na ressecção do defeito através da abordagem anterior, posterior ou combinada. É o único procedimento realmente efetivo para correção do desvio da escoliose congênita localizada na transição lombossacra com obliqüidade pélvica fixa. O procedimento pode ser realizado em qualquer segmento da coluna vertebral, porém, nas regiões cervical e torácica os riscos são maiores pela proximidade anatômica com a medula espinhal. Após a ressecção da hemivértebra, a utilização da instrumentação com compressão no lado convexo da curva permite a correção com segurança. A ressecção da hemivértebra tem contra-indicação relativa na presença de cifose.

Ressecção de barra vertebral. Barras vertebrais, quando removidas precocemente, podem, em tese, evitar o aparecimento ou o agravamento de um desvio. Entretanto, após o procedimento, é comum a fusão indesejada no nível abordado.

Osteotomia vertebral. Consiste na secção ou liberação óssea da coluna vertebral. Pode ser indicada na criança mais velha, no adolescente ou no adulto quando há uma curva rígida e grave e os procedimentos cirúrgicos de correção menos complexos não foram eficazes. Pode ser utilizada para liberação de uma barra óssea unilateral antes da distração instrumentada na concavidade da curva, ou como osteotomia de ressecção em cunha anterior e posterior antes da compressão instrumentada na convexidade.

A correção imediata da deformidade com instrumentação pode ser realizada após procedimentos de ressecção ou osteotomia. Os recursos mais utilizados para a correção da deformidade são a compressão na convexidade e a distração na concavidade, mas manobras de derotação vertebral são também utilizadas com os instrumentais mais modernos. A distração isolada é um procedimento de risco na escoliose congênita, porém pode ser realizada em situações especiais quando há certeza da inexistência de lesão intracanal ou medular.

ESCOLIOSE CONGÊNITA
Por Dr. Jefferson Soares Leal
27/01/2009

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